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"Badji: O último guerreiro do Javari – a dor silenciosa de um povo destruído"

Imagem: Acervo pessoal Inory Kanamari
Imagem: Acervo pessoal Inory Kanamari

 

Ka tücüna naina. Saudações, leitor(a). Convido você a conhecer um pouco sobre a história de Badji.


Hoje, compartilho a história de Badji, um guerreiro indígena cuja vida foi marcada pela violência, pela perda e pela resistência. Nascido no coração do Vale do Javari, um lugar mágico onde diversos povos originários viveram em harmonia com a terra, a tragédia de sua existência reflete a dor de muitos outros guerreiros que, como ele, foram silenciados e esquecidos. Sua história, embora singular, não é exceção. Ela ecoa os gritos de uma cultura destruída, de um povo aniquilado, mas também de uma resistência que persiste no silêncio.


Badji nasceu em um tempo de paz, em que seu povo vivia em sintonia com a natureza ao longo do rio Javari. Porém, a chegada dos invasores, com suas armas e sua ambição, destruiu essa harmonia. Quando ainda criança, Badji presenciou o massacre de seu povo. Seus parentes foram exterminados, e ele, escondido, foi o único sobrevivente. A memória de sua infância é marcada pela dor de ver sua família e sua cultura serem apagadas pela violência.


Após o massacre, Badji foi forçado a viver em uma comunidade não indígena, onde foi escravizado. Trabalhou nas embarcações que navegavam pelos rios Solimões e Javari, sendo tratado como um ser inferior, como um animal. Durante anos, ele suportou abusos, até que, já adolescente, conseguiu escapar. Vagueou pelas ruas de Atalaia do Norte, sobrevivendo como podia, e se comunicando apenas por mímica, já que sua língua materna não era compreendida. Somente anos depois, quando foi encaminhado à FUNAI, que Badji teve sua existência reconhecida pelo Estado.

Com o auxílio do governo, Badji foi adotado por uma família do povo Mayuruna, da etnia Matsés. No entanto, adaptar-se a uma nova cultura e língua não foi fácil. Apesar das dificuldades, Badji se recusou a abandonar sua essência. Ele jamais aceitou falar português, pois considerava que isso significaria esquecer quem ele era, apagar as lembranças de sua terra, de seu povo, de sua língua.


Mesmo agora, já idoso, Badji continua a carregar as memórias de seu povo perdido. Ele sonha com o tempo em que era criança, corre pelas florestas onde seu povo existia, ouve os sons de sua língua. Mas ao acordar, a cruel realidade o espera: ele é o último de seu povo. Badji nunca se casou, nunca teve filhos. Sua vida foi marcada por uma luta constante pela sobrevivência, uma luta que nunca cessou, nem mesmo em seus sonhos.


Imagem: Acervo pessoal Inory Kanamari


A história de Badji é a história de um povo que resistiu, mas que foi brutalmente destruído. Sua dor não é única, mas representa a dor de muitos povos indígenas que, como ele, perderam tudo. No Vale do Javari, existem outras histórias de resistência e perda, mas a de Badji se destaca como um grito de memória. Não podemos permitir que ele, e tantos outros guerreiros anônimos, sejam esquecidos. Ao contar sua história, não apenas preservamos sua memória, mas também lançamos um alerta: o contato com os não indígenas não foi um encontro pacífico, mas uma invasão que devastou culturas, línguas e vidas. A história de Badji é um lembrete de que, através da memória e da resistência, é possível garantir que seu povo, e sua história, nunca desapareçam.


Bapo ikoni. Até a próxima pauta.



*Inory Kanamari - Primeira advogada indígena do povo kanamari. Atuou como presidente da Comissão de Amparo e Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas da OAB/AM de 2022 a 2024, Vice-presidente da Comissão Especial de Amparo e Defesa dos Povos Indígenas no Conselho Federal da OAB de 2023 a 2024, atuou como Consultora no projeto de tradução da Constituição Federal para a língua indígena nheengatu no Conselho Nacional de Justiça. Articulista da Revista Cenarium, ativista, poetisa, membra na ALCAMA (Academia de Letras, Ciência e Cultura da Amazônia). Escreve como colaboradora toda terça-feira e aos sábados para o Portal Info.Revolução.
*Inory Kanamari - Primeira advogada indígena do povo kanamari. Atuou como presidente da Comissão de Amparo e Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas da OAB/AM de 2022 a 2024, Vice-presidente da Comissão Especial de Amparo e Defesa dos Povos Indígenas no Conselho Federal da OAB de 2023 a 2024, atuou como Consultora no projeto de tradução da Constituição Federal para a língua indígena nheengatu no Conselho Nacional de Justiça. Articulista da Revista Cenarium, ativista, poetisa, membra na ALCAMA (Academia de Letras, Ciência e Cultura da Amazônia). Escreve como colaboradora toda terça-feira e aos sábados para o Portal Info.Revolução.


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