“Acampamento Terra Livre: o grito que Brasília não pode ignorar”
- contatoinforevollu
- há 1 dia
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Em um país onde a memória indígena ainda é, em grande parte, apagada ou distorcida, o Acampamento Terra Livre (ATL) emerge como um poderoso ato de resistência e visibilidade. Reunindo milhares de indígenas de diferentes etnias, o ATL não é apenas um evento anual em Brasília; é um grito coletivo por direitos, território, identidade e dignidade. Em tempos de retrocessos legislativos e ataques sistemáticos aos povos originários, o ATL revela-se mais atual e necessário do que nunca.

O que é o Acampamento Terra Livre?
Criado em 2004 pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), o ATL é o maior evento de mobilização indígena do país. A cada edição, lideranças e representantes de povos indígenas de todo o Brasil se reúnem na capital federal para denunciar violações de direitos e reivindicar políticas públicas eficazes. É, sobretudo, um espaço político e pedagógico, onde a ancestralidade se mistura à contemporaneidade das lutas.
Segundo a APIB, o ATL é “um momento de protagonismo dos povos indígenas para fazer frente aos ataques aos seus direitos originários e à vida”. Em meio ao concreto da capital e aos discursos rasos que muitas vezes permeiam as redes sociais, o ATL surge como uma das manifestações mais autênticas de resistência e afirmação dos povos originários do Brasil. Ele não é apenas um protesto — é um grito ancestral, é a marcha da memória viva de um povo que se recusa a desaparecer.
Território é vida: a centralidade da demarcação
A cada abril, lideranças indígenas de todos os cantos do país rompem os silêncios impostos pelos séculos. Carregam cocares, línguas ancestrais, pinturas corporais e saberes milenares para o coração do poder: Brasília. Não vão para pedir favor. Vão exigir o que é de direito: terra, vida e respeito. O ATL se transforma em uma aldeia de lutas, debates e espiritualidade, onde se articula política com raízes profundas.
A principal pauta do ATL é, historicamente, a demarcação de terras indígenas. Sem território, não há garantia de sobrevivência física e cultural para os povos originários. O Marco Temporal – tese jurídica segundo a qual só teriam direito à terra os indígenas que estivessem ocupando o território em 5 de outubro de 1988 – é um dos principais alvos de crítica dos participantes. Essa proposta desconsidera os séculos de expulsões forçadas e violações sistemáticas que impossibilitaram muitas comunidades de permanecerem em seus territórios ancestrais.
Mais do que uma mobilização por demarcação de terras, o ATL questiona o modelo de desenvolvimento predatório que avança sobre biomas e corpos com a mesma fúria colonial de sempre. A mineração ilegal, o agronegócio que não reconhece limites, o desmatamento que corrói o futuro: tudo isso é denunciado ali, por quem sente na pele a temperatura da injustiça ambiental.
O mais admirável no ATL é a potência de seu protagonismo juvenil e feminino. Meninas indígenas assumem microfones e pautas com altivez, apontando um novo tempo: aquele em que as vozes que antes foram caladas se tornam centro da narrativa. São mulheres e jovens que entendem que existir é resistir, mas também é reexistir — reinventar-se sem perder a essência.
O ATL como espaço de reexistência cultural

O ATL é um lembrete urgente: os povos originários estão vivos, organizados e conectados com o mundo, sem abrir mão de sua identidade. Lutam não só por si, mas por todos nós. Pois a floresta em pé, os rios limpos e o equilíbrio do clima também dependem da permanência desses guardiões nos seus territórios. Como disse Sônia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas e presença marcante no ATL:“Não queremos morrer para provar que existimos. Queremos viver com dignidade em nossos territórios, com nossos saberes e modos de vida respeitados.”
Escutar o ATL é um ato político. É reconhecer que há outra forma de existir neste chão que não seja o da exploração e do lucro. É dar atenção à sabedoria de quem vive com e não contra a natureza.
O ATL é também um festival de cores, cantos, línguas e rituais. É uma mostra da pluralidade dos mais de 300 povos indígenas do Brasil. Em um país que ainda insiste em reduzir o indígena a uma caricatura do passado, o ATL afirma que os povos originários não estão “preservados no tempo”, mas são sujeitos políticos do presente.
A presença de pajés, danças tradicionais e arte indígena no coração do poder político brasileiro não é folclore: é afirmação. É pedagogia da presença. Porém, não cabe apenas aos indígenas defender seus direitos. A sociedade brasileira precisa assumir sua parte na luta contra o racismo estrutural e pelo reconhecimento dos povos originários como fundadores desta nação.
O Acampamento Terra Livre é mais que um evento: é um ato contínuo de denúncia, reivindicação e esperança. Em um Brasil que ainda se recusa a olhar para sua origem indígena, o ATL nos obriga a encarar a dívida histórica que temos com esses povos. Mais do que solidariedade, é preciso compromisso. Escutar os indígenas, respeitar suas vozes e garantir seus direitos não é favor: é dever constitucional e humano.
Manifestação indígena é alvo de violência policial no Congresso

O ATL de 2025, teve inicio nesta segunda-feira, 7 de abril, em Brasília, reacendendo o debate crucial sobre os direitos constitucionais, o evento que reuniu cerca de sete mil indígenas de todo o país. Sob o lema “APIB Somos Todos Nós: Em Defesa da Constituição e da Vida”, a 21ª edição da maior mobilização indígena do país também marcou duas décadas de luta e vitórias da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), organização que lidera o evento.
No entanto mais uma vez, o Brasil mostra ao mundo o quão pouco valor dá à vida e aos direitos dos povos originários. Na quinta-feira (10), a manifestação do ATL no Congresso Nacional, em Brasília, foi palco de intensos confrontos, quando forças policiais reprimiram um grupo de indígenas. A ação policial envolveu o uso de bombas de gás lacrimogêneo contra os manifestantes, entre os quais se encontrava a deputada federal Célia Xakriabá (Psol-MG).
Mesmo se identificando como parlamentar, Xakriabá foi impedida de transitar pelas forças de segurança e acabou exposta à violência da repressão. O episódio escancara o desprezo institucional pelas vozes indígenas, mesmo quando representadas por uma autoridade eleita. É um retrato brutal de como o Estado brasileiro ainda trata os povos originários: com força, com descaso e com medo do poder que a ancestralidade carrega.
“Esse episódio escancara o que temos denunciado há muito tempo: a violência do Estado contra os povos originários e o racismo institucional que marca as estruturas de poder deste país. Também é violência política de gênero, num país em que ser mulher indígena no Parlamento é resistir diariamente ao apagamento. Nós não vamos recuar. Não vamos nos calar diante da truculência. Nossa voz ecoa por centenas de povos e territórios, e não será silenciada por bombas nem pelo autoritarismo.” (Célia Xakriabá)
É assustador perceber que, mesmo com mandato, tentaram silenciar a deputada. Que chance têm aqueles que carregam apenas a própria voz? Isso revela o racismo estrutural e a violência institucional que seguem operando com força total no Brasil. Se a democracia fecha as portas para quem a representa com dignidade, ela está a serviço de quem?
O que aconteceu no penúltimo dia do Acampamento Terra Livre em Brasília é inaceitável. O Estado, que deveria proteger, escolheu atacar. Que tipo de democracia é essa que reprime com gás e cassetetes aqueles que mais lutam pela vida, pela terra e pelo futuro do planeta? É revoltante ver que, no coração político do país, quem carrega a ancestralidade e o direito à terra é tratado como ameaça.
Na carta final divulgada pela APIB, os indígenas expressaram críticas aos três Poderes da República, destacando a ausência de avanços na demarcação de terras indígenas e a falta de apoio contra o marco temporal. O documento também repudiou a mesa de conciliação criada pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), sobre o marco temporal, e fez um chamado urgente pelo fim dos combustíveis fósseis diante da emergência climática.
Apesar das adversidades, o ATL 2025 consolidou avanços importantes, como o lançamento do Círculo dos Povos, da Comissão Indígena Internacional da COP30 e das metas climáticas (NDCs) indígenas, reforçando o protagonismo dos povos originários na agenda ambiental global.
O encerramento do ATL reafirmou o compromisso dos povos indígenas com a defesa de seus direitos constitucionais, a proteção de seus territórios e a luta por justiça social e ambiental no Brasil.

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